segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Nós que ficamos sós!

Sábado peguei por acaso um especial feito por Renê Goya sobre o Carlinhos Hartlieb na RBS Tv . Entre um programa e outro do Discovery kids e mais uma reapresentação do Carros e do Galinho Little chicken que o meu filho Rafael me faz assistir repetidamente, tive um raro momento de reviver uma estória pessoal e musical. O documentário, muito bem feito, traz imagens preciosas do Carlinhos e de pessoas envolvidas com ele, músicos ou não. Impossível não voltar no tempo, para o ano de 1980 quando conheci o Carlinhos Hartlieb no estúdio da rádio Bandeirantes FM na rua José Bonifácio, no limite entre o Bonfim e o bairro Santana. Foi quando conheci também o disco Paralelo 30 onde ele aparece com Maria da Paz e por conseqüência, o contato com Nelson Coelho de Castro, Bebeto Alves e tantos outros... e foi o Carlinhos que me falou de uma praia de Santa Catarina que ele havia descoberto e que era uma espécie de paraíso, mas para chegar até lá era meio complicado. Tinha que descer do ônibus que ia pra Garopaba, fazer uma trilha a pé, não havia hotéis e pousadas como hoje, somente nativos pescadores e aquele “astral”. Apartir dessa informação, combinei com um pessoal da faculdade e partimos, de barraca para a aventura rumo ao paradisíaco, a natureza, a vida longe do caos da cidade grande... descemos do ônibus em Garopaba e dali tinha outro ônibus com um nome engraçado que nos levaria até o Bar Branco, aquele bar que hoje é um mercadinho na entrada da praia do Ouvidor e que era o último contato de “civilização” pra quem ia até o Rosa. Um joguinho de sinuca no Bar Branco e o proprietário nos ofereceu uma Kombi que poderia nos levar até a entrada, digamos assim da praia do Rosa. Era onde hoje começa o que chamam de Av. Independência no alto da lomba.. dali só a pé e a Kombi voltaria somente as cinco da tarde do ultimo dia do feriadão... com arroz, lingüiça, macarrão, pão, água e um garrafão de vinho e uma barraca de dois quartos, descemos a ladeira....

A partir de então passei a conviver proximamente àqueles músicos gaúchos que abriam caminho num mercado que pouco olhava para a produção local e que iam misturando influências latinas, coisas do rock e MPB, em shows com poucas condições e que aconteciam diante de muito trabalho e articulação, principalmente de Carlinhos Hartlieb que é apontado por muitos, como um aglutinador da galera que produzia música no estado no final dos anos 70, um verdadeiro agitador cultural, que não erao Telmo! E foi na Praia do Rosa que aconteceria uma tragédia que tiraria o Carlinhos desse cenário. Voltando àquele dia fatídico. Eu estava jantando no Pedrini, ali na Venâncio Aires com um grupo de amigos: entre eles, Dedé Ribeiro, Bebê Baumgarten e Felipe Franco, antes de pegar a estrada para mais um feriadão na... praia do rosa, agora com mais infra estrutura, algumas casas pra alugar e um bar/restaurante. Alguém comenta com a Dedé sobre um possível suicídio de Carlinhos lá na praia para onde nos dirigíamos e onde ele tinha uma cabana simples, no limite entre o Rosa e a praia do sonho. Felipe foi a um orelhão ligar e voltou com a confirmação. Ficamos abatidos e sem saber o que fazer. Eu e o Felipe saímos para dar uma volta, refletir sobre o que fazer e resolvemos tomar um conhaque no Cacimba, um barzinho underground que existia ali na Osvaldo perto do pronto socorro. Felipe me contava que o Carlinhos havia tocado para uma turma de amigos num bar lá do Rosa e cantou durante muito tempo e nós chegávamos a conclusão de que ele estava se despedindo e que ninguém havia notado isso. A notícia havia chegado como suicídio e era em cima dessa hipótese que a gente pensava as coias. Somente meses depois, graças a algumas reportagens feitas pela imprensa, principalmente por Dedé Ferlauto na Zero Hora, apareceram outras informações e indícios de que o músico havia sido, na verdade, assassinado.

No meio da madrugada, resolvemos seguir em direção ao Rosa e durante a viagem conversávamos e lembrávamos de várias situações envolvendo o Carlinhos. Quando chegamos à praia, encontramos logo de cara, a Íria, amiga de Carlinhos e também de outras pessoas que tínhamos amizades, o Augusto Licks, o Nei Lisboa... lembro que trocamos abraços com a Íria que nos falou algumas coisas a respeito do acontecido e depois fui procurar o Val e a Lalu, outro casal de amigos daquela geração que havia optado em morar no “paraíso” da praia do rosa. O Val tinha e acho que ainda tem, uma casa acima da lagoa doce e ali era passagem para o Caminho do Rei e consequentemente, para a praia do sonho, onde, no meio ficava a cabana do Carlinhos. O Val (valdeci) era um dos vizinhos mais próximos do Carlinhos, mas com alguns minutos de caminhada pelas trilhas morro acima.

O programa/documentário do Renê me fez voltar no tempo e gelar diante da TV. Depois de tantos anos, ver todas aquelas pessoas ali falando, incluindo o Carlinhos, parece que o tempo não passou. Quando morreu, Carlinhos havia recém gravado o disco Risco no Céu, onde gravou a música Nós que ficamos sós feita para John Lennon que pouco tempo antes havia sido assassinado em Nova Iorque. O curioso é que semana passada peguei o CD Paralelo 30 e pensei: "faz tempo que não rodo no Rush alguma coisa dessa época e as músicas que mais gosto do disco são Maria da Paz do Carlinhos Hartlieb, Que se pasa do Bebeto Alves e Rasa Calamidade do Nelson Coelho de Castro. No sábado fui surpreendido com o programa na Tv que nem sabia que estava sendo feito que iria ao ar. Deve ser a tal sincronicidade.